28.11.08
Nao sei se é o calor da tua casa ou das tuas mãos que me fazem querer ficar quando me pedes para ficar. O conforto é demasiado tentador e as palavras sao tao o que quero ouvir..o que preciso de ouvir. Fico e durmo. Em paz, porque respiro melhor com o textura dos teus lençois. Ou será das tuas maos? Ou das tuas palavras.
Rendição. Quero manter me onde sempre estive. Como sempre fui. Distante e à margem. Quero que queiras sem pensares que quero..mas quereres à mesma. Não consigo. Só quero adormecer. Livre de tudo, de mim até. Pontas dos teus dedos nos meus olhos quentes. Brincas distraido com o desenho dos meus lábios a amar devagarinho queixas e mimos. E eu adormeço. So porque quero. Estás aqui.
Não estás, e desafiamo nos de novo.
Perdoamos os confrontos externos e confitos interiores. Cansamos das horas pesadas . E devolvemo nos de novo ao sono entre promessas pornográficas. Ja nao sei onde me deixei, aquela que sempre quis ser, que sempre quis que amassem.
Amas. So porque sou. e ja cortejas os meus ombros como antes das horas dificeis. Alivias a minha ansia. Cobres me de ti e das me amor sujo, tentadoramente tenso e violento.
Agora está tudo tao esmagadoramente calmo, sem os raros surtos de dádiva incondicional. Sem os despojos infantis das horas vazias. Sem as conversas de casa de banho e os segredos de alcova.
A minha alma está tao fria como a tua cama.
Nao adormeço
Branca de Neve e os 7 anões
Ao contrário do conto, já contava que estivessem sete no quarto. São anões, são pequenos. Não os ouve porque falam baixo, nem os vê porque não estão no seu campo de visão mais preguiçoso. E são pequenos outra vez, não chegam às coisas e já nao apetece ajudá-los, pelo menos não mais. Mas o local é bonito, é exterior a ela, alheio à casa. Não percebe se ele é amigável ou hostil. Se é sujo ou só desarrumado. Se barulhento ou apenas está vivo.
Isto é Nápoles.
Golfo amontoado de casa, lixo e cães de rua.
Paisagem cronológica, com camadas de adaptação. Liderada pelo Vesúvio, enfeitada por Capri. È prosaica, mas pouco humilde, pavoneia se na sua grelha de vielas demasiado estreitas, com demasiados estendais e janelas em demasia também. Esquinas de mafiosos. Motas com mulheres mal maquilhadas e brilhantes. Muita gente, muito diferente, muitas histórias. Cliché, mas bem suado nesta cidade. Carros atropelam se e abafam as pandeiretas das famílais ciganas que cantam, tocam e sorriem, todo o dia, à espera. As lojas são do dono, não do cliente, não importa a venda. Fecham se no negócio: presépios, brinquedos ancestrais, instrumentos de música. Cedo é escuro e também cedo nos é desenvendada a riqueza e o perigo. Italianos barrigudos, os dos filmes, com o gorro amarrotado, pousado na cabeça. Sorriem, um sorriso pouco benvindo, mas pouco inimigo também. Os imigrantes dão passadas maiores quando faz noite. E as avós gordas calam os putos e botam nos para dormir. Mas da fachada de elmo, o campo de visão preguiçoso, maior e mais acima, são apenas anões.
filhA do pAi
Não foi de propósito, encontrei-o na escrivaninha. Era pequeno e tinha uma capa em couro, o que era inédito para mim, um caderninho que cheirava a antigo e a aventura; daquelas que eu lia escondida debaixo dos lençóis. E tinha uma moldura de cornucópias douradas. Desculpa..Não resisti a abrir e tinha a tua letra. A tua letra docemente desenhada. Passei horas a fio a imitá-la. Rabisquei dezenas de folhas do meu caderno sem capa de couro para conseguir criar o teu abecedário. Nao consegui. Li o teu diário e era triste. Tinhas 15 anos e eu tinha 13. As páginas eram amareladas, e eu acreditei mesmo que nunca ia ser como tu, nem ia ter tanta coisa dentro de mim como tu tinhas, nem ia chorar tanto como tu choravas. Falavas do teu pai lá, e eu nao percebia, e dizias que tinhas medo...nunca te vi com medo. Falavas de amor, platónico como tudo o que é prazeroso na tua vida. E condenaste esse amor nas páginas do diário, e eu fixei até hoje que ele não existia para ti, e que aceitaste o léxico mundano e formas quotidianas como as tartes de maça e os cariocas. Fiquei tão triste, era criança, queria que aquela estória acabasse bem, e nem me apercebi que fazia tão parte da tua história. Sabes de quem falo, aquele, que tinha a morte nos olhos.. e que morreu. Sempre quis que tivesses ficado com ele, não sei porquê. Lembro me de mais coisas que queria, lembro me duma frase: "o ódio destilado no alambique da guerra". Soava tão bem, era tão barroco e exuberante. Desejei com todas as forças do meu ser escrever assim, e escrever assim com a tua letra..ia ficar tão lindo, pareceria uma iluminura, com aquelas maiúsculas autoritárias. Quis escrever como tu antes de saber sequer o que a frase significava. Um dia decidi, lambi os dedos e avancei as folhas do dicionário, como sempre me ensinaste, para saber o que era "alambique"..desculpa não sabia, e também não conhecia destilar. Senti que devia ter lido mais, tu bem dizias. Eu compreendi a frase, não a entendi. A clareza do entendimento veio mais tarde, e foi avassalador. Qualquer forma de escrita, nunca me vai atingir do mesmo modo que esta frase, porque nunca mais encontrei nada tão poderoso e que me fizesse sofrer tanto. Senti vergonha por entender o tipo de ódio a que te referias. Foi o primeiro objectivo da minha vida, daquelas pequenas ocorrências da infância, as que ficam. Escrever como tu, conseguir extrair mais da língua do que o que ela própria oferece. Este foi o primeiro e mais puro entendimento da minha existência intelectual e emocional. Quis te descobrir mais, mas és tão distante mãe, quis ouvir a Paixão Segundo S.Mateus de Bach, e depois de ouvi-la quis aprender a ouvi-la, houve alturas, aliás, que, para te combater, ouvi incessantemente a Paixão Segundo S. João, só para me provar que não somos iguais. Mas a Paixão Segundo S. Mateus é mais bela, e mais sofrida como tu. Depois percebi a tua missão, percebi que não conseguiste viver mais depois que eu nasci, ou se calhar depois que ele morreu, ou então nunca conseguiste viver. Porque és tão magnânima e exterior a ti? O mundo não tem de depender de ti. Quando morreres as flores não vão desabrochar do mesmo modo. Ninguém disse isto, nem ao Pessoa nem ao Campos. Eu sou o teu ponto de referência, mas quero deixar de ser. Porque achas que eu te afasto mas que preciso de ti? Mãe, es tao sábia com as palavras e o léxico pregou te uma partida. Eu aproximo te, e preciso te. Mas tens de descer a mim. Nao! Tens de me deixar subir a ti. Tornares tudo plano, sem quebras ou vacilos, só para eu entrar um pouco no teu mundo e passares tu a ser o meu ponto de referência e menos a tal ocorrência de infância. És tu para todos. Desgastas-te para seres de todos, e todos têm espaço para serem mais deles. E todos os dias és menos de ti e para ti. Nao deixes mãe. Escreve o teu livro. Tu achas que não tens autoridade. Ganha essa vitória a ti mesma, permite te a entregares-te sem almofadas, tintas ou pérolas. Plantamos uma árvore juntas.
Ensinaste me a escrever, agora eu ensino te a ti.
por Ines Andrade
"epitáfio aka ode à vida": nao encontro conceitos que se enquadrem melhor neste cenário que pintaste em correria por mim. Por mim porque sei que o sentiste, como sentirias se eu aí estivesse, a pintar os olhos debaixo da luz fraca da tua casa de banho como quando eramos crianças. O'neill verbalizou os meus medos..defendo me da morte, mas se, ou quando ela chegar, so tu terás o dom da palavra para a despedida.
Aprender é descobrir o que já sabias. E descobri em Assisi uma paz que pensei pertencer só a mim (que egoísmo eu sei) mas aprendi que a fé existe e que nao precisa de tapete de entrada. Aprendi que a minha mãe tem razao, sou uma rapariga da cidade, cuja obstinação so me defende das coisas erradas, mas encontrei em Assisi a verdade. Na cidade nao me sinto capaz de escrever um livro. Em Assisi sei que vou escrever um livro.
Nao aprendi a (des)esperar, ja quero escrever um livro sem ter plantado a àrvore e feito o filho..Desculpa, mas quando escrevo estou no meu campo de batalha, daquela que falas que travamos? Bom, domino quando escrevo, e nao estar aí, onde o ar é despretensioso, fez me perder esse controlo. E se eu nao souber escrever mais? Se nao souber desafiar mais a lingua que sempre foi minha? Até ela vai mudar, mariana, até a nossa lingua vai abandonar as minhas mãos e eu nao vou poder contar pelos dedos os pormenores, as acções e as pessoas que me pertencem.
Nao sei plantar uma árvore, preciso mesmo que me ensines, sim? O filho é mesmo a verdadeira criação, surpreende-te, ama te e mata te. Um livro não, o livro é branco, mari, e tu dás lhe ordens, guardas, riscas, rasgas, desistes, retomas. Um filho não admite prefácios e o único "marcador" que algum dia terás serão desenhos de primária.
Mas voltemos à infancia que nao tivemos...
Dorothy, bate três vezes com os calcanhares para eu voltar para casa....
O filho e o livro
Os floristas abertos toda a noite, nas avenidas escuras dos arredores romanos, iluminam as esquinas com girassõis, rosas e orquídeas, para presentear amantes nas madrugadas.
A linha do 87, que apelidamos carinhosamente do autocarro turístico, que me acaricia pela manhã com as melhores visões de roma
Os gelados, são quase como a realização dum desejo infantil, sabores que, secretamente, sempre esperamos que existissem, e afinal existem mesmoimprevisibilidade da cidade, quando já pensamos que vimos tudo o que de importante há para ver, presunção nossa, ela mostra nos uma paisagem nova, quase sorrateira, de tao descontextualizada, mas que arranca um sorriso de conforto
Por fim, os testes a nós mesmos, não é uma característica directa de roma, mas que desencadeia acontecimentos só possíveis lá.
desvendem os vossos segredos
lugares comuns
"escrevi este livro na felicidade louca de escrevê lo"